A rotina
do estudante carioca M.V. 15, inclui musculação seis vezes por semana e
pesquisa diária na internet sobre exercícios e suplementação alimentar. Tudo
para ficar maior e mais forte. O adolescente pesa 78 quilos e tem 1,81 m.
"Não acho que 15 anos seja muito cedo para malhar. Quanto mais eu
treinar, mais facilmente chegarei à meta." A meta, no caso, é aumentar o
diâmetro do seu braço de 39 cm para 55 cm. A página dele no Facebook é igual
à de muitos meninos dessa idade: cheia de fotos de corpos musculosos, frases
motivacionais e chacotas com "frangos" ou "filés de
borboleta" (jovens sem os músculos estufados, típicos de quem vive em
academia).
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Segundo o hebiatra (médico
especializado em adolescência) Alberto Mainieri, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, “há um crescente exagero não só na freqüência do
esforço muscular como na intensidade. Não são mais casos isolados".
Segundo ele, o excesso de treinamento nessa fase da vida é perigoso e pode
caracterizar vigorexia. "É um vício que vai aos poucos interferindo na
vida social", afirma Zimpeck. O instrutor acha que o transtorno está
subdiagnosticado. Quem tem o distúrbio nunca se satisfaz com o corpo que tem e
treina obsessivamente. "Muitos pesquisadores consideram a vigorexia um
subtipo de dismorfofobia", diz o psiquiatra Celso Alves dos Santos
Filho, do Programa de Atenção aos Transtornos Alimentares da Unifesp.
A dismorfofobia é uma alteração
na autoimagem. No espelho, a pessoa se enxerga de forma negativa, o que não
condiz com a realidade.
É o que relata o estudante G.P.,
17: "Todo mundo diz que estou bem assim: ganhei 12 quilos de músculos em
oito meses, mas, quando me olho, não gosto do que vejo. Em algumas fotos até me
acho mais forte, mas depois olho melhor e vejo que ainda falta muito". Ele
pesa 70 quilos e quer chegar aos cem. "Mas, se ainda estiver ruim, subirei
a meta para 109 quilos", diz. O adolescente admite que pensa nos
treinos em tempo integral e que os amigos reclamam do seu novo hábito. Ele se
sente culpado se não puder malhar. "Se falto, penso que vou perder muito
peso e não vou atingir nunca minha meta." A vida social de G.P.
também foi alterada pelos treinos: "Só volto para as baladas quando ficar
mais forte".
O surgimento do transtorno nessa
faixa etária é favorecido pelas alterações físicas e psicológicas que ocorrem.
"Adolescentes sentem necessidade constante de aceitação, até da aparência.
Não é à toa que dismorfofobia e vigorexia têm início nessa fase", diz o
psiquiatra.
A psicanalista Dirce de Sá
Freire, membro do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, vê nessa dedicação
ao físico uma demonstração de autodomínio: "O adolescente abraça a teoria
de que o corpo pode ser moldado numa tentativa de controlar a própria vida, já
que não pode controlar seu entorno".
O diagnóstico de vigorexia é
difícil. A fisiatra Isabel Chateubriand, coordenadora da Reabilitação do
Hospital Sírio-Libanês, diz atender pacientes com lesões causadas por excesso
de musculação em um quadro claramente vigoréxico: "Explico ao jovem que
está treinando errado e tem transtorno de imagem, mas ele não aceita. O máximo
que faz é mudar temporariamente o treino até resolver o problema específico da
lesão que o fez buscar ajuda".
D. D., 15, montou uma academia em
casa e prepara suas séries sozinho: "Não preciso de instrutor. Qualquer
dúvida, consulto a internet", argumenta ele, que treina há um ano, quatro
vezes por semana, mas só exercita a parte superior, por causa de uma cirurgia
para retirar um tumor na tíbia, feita aos 11 anos.
A mãe de D. D. diz se preocupar
com o filho: "Os jovens de hoje querem ficar muito musculosos. Acho
perigoso ele tomar suplementos, mas D. não me ouve". A dieta proteica que
ele segue foi escolhida com base em informações recolhidas da internet.
METROS DE
TÓRAX
O desejo de ganhar músculos em
pouco tempo, passando por cima da genética, leva jovens a recorrerem a
anabolizantes, é lógico --apesar de o tema ser tabu.
Zimpeck alega que a maior parte
dos adolescentes que diz querer ser atleta de "bodybuilding" não sabe
onde está se metendo: "Desconhecem como é difícil ser fisiculturista,
ainda mais no Brasil, onde não se ganha para isso".
G. P. nunca pensou em ser
fisiculturista. Seu interesse é ficar mais atraente mesmo: "Acho legal
chegar na escola bem grande e os colegas comentarem. Eu me sinto mais seguro. É
um sacrifício, mas acho que vale a pena".
Para Chateubriand, adolescentes
obcecados por músculos cumprem o papel social imposto a eles: "São fruto
das nossas crenças, estão sendo coerentes. É preciso mudar o conceito de
exercício, de estética para saúde".
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